quarta-feira, 20 de julho de 2011

Feito de nós

Pára a poesia do mundo navegante.
Vem recomeçar, com a força do silêncio, outras margens tropicais.
Aborda, com zelo, o índio que nos tornamos porque pura beleza, Deus e coração.
Reescreve aquela carta. Manda-a, sem destino, a rei nenhum.
Desembaça este nosso farol à luz de uma outra razão.
Deixa-nos a descoberta do lugar imenso,
o imperfeito esforço da construção,
essa terra toda nascendo um continente
de ouro, odores, bicho, inventos,
velhas crenças, vastos campos, verdes manhãs.
Toma de volta o destino atlântico,
contorna a ilha até o outro sol para o teu império.
Deixa aqui os teus homens mais bonitos, de coração pouco hostil,
alma erguida de amor e vontade séria.

Pára a poesia do mundo, descansa a pena.
Melhor nenhum verso trazer nova gente.
Dá tempo à sorte, mantém distância.
Repara nesse porto ainda sem bandeira, tanta honra por ser.
Cria engenhos para grandes feitos que, à força do novo, cá permaneçam.
Volta, depois, compromissado com a terra,
e leva de nós o que de nós fizeram.
Deixa-nos o brado, embora futuro, não muito infinito,
dos filhos bons homens, a espada, o grito.
O incerto possível, grávido destino,
agora mais fica, maior descoberto, mais que ilha,
contra o longe desmando à espera, época reinante.
Traze a força que opere tantos mil brasis.
Esquece o desconforme da origem, a distinta cor, os porões do atropelo.
Singra o mar sem correntes, o vento na cara, os ombros crestados,
e reúne, sim, na fé mais diversa, no oposto mais pleno, um povo.
Faze, depois, a bandeira, reparte a alegria, despe o carnaval.
Afina da poesia os acordes, incrementa o gingado, o entendimento da paz.
Reza todos os credos, ergue a voz para o mundo, canta o povo aqui gestado.
Cria o verso mais sabido e dize, agora, ao rei que houver,
o amálgama do amor em nós demasiado.

Ouve o mar pretendido, a rota, pensa a herança das naus
e recomeça este verso ao meu sinal.

Pára a poesia do mundo navegante.
Vem recomeçar, com a força do silêncio, outras margens tropicais.


Márcio Ares. 2006.


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