quarta-feira, 13 de julho de 2011

Ancestral


A noite passada, estive louco.
Estava sozinho em casa, tinha motivos para a paz comigo, mas estive louco. O sono escapava de medo sob tantas imagens amargas e embaralhados pensamentos ruins. A minha cabeça era bomba nuclear a ponto de me fazer para sempre vítima de sua contaminação atômica. Enquanto a madrugada se arrastava com seus pântanos de sonhos fatais e suas guerras contra indefiníveis monstros, precisei de um banho. A água fria escorrendo pelo meu corpo, a vontade urgente de pensar só depois. Por que os fantasmas nos atacam na melhor das horas para um sono de paz?
A amiga que me telefonou logo pela manhã - terá ela adivinhado minha carência de socorro? – perguntou-me se fora um banho com roupa. Hum? Por acaso estava sem roupa, respondi. Ao que ela me disse que eu tinha sido comum como toda a humanidade comum que se banha sem roupa. Salientei, no entanto, que se estivesse vestido, teria me furtado à destreza suficiente para despir-me naquela hora sangrenta de insônia alucinatória. Acho que você deve se casar, disse ela. Então, teria alguém para me tirar as roupas. Nova interrogação assomou à minha consciência ainda cansada e mal dormida, sem que eu entendesse a alusão à nudez ou a discussão sobre minhas vestes.
A que ponto chegou a instituição casamento? Perguntei-me, algum tempo depois. Terá ela se igualado ao limite da capacidade oportuna de se deixar alguém nu para um banho que lhe pudesse recobrar um pouco de sanidade na profusão dos contratempos de uma noite sem fim? Ou então à chance de se ter um psicanalista na mesinha de cabeceira, à mão para qualquer eventualidade ou desassossego? Dividir a loucura é muito longo para a mesquinhez de vidas tão estreitas. Tudo, exceto as horríveis horas dessas madrugadas ruins, é demais ligeiro. Tudo é sem jeito porque estamos irreparavelmente sem conserto. E o que está partido não está no outro, senão dentro de nós mesmos.
Um banho, uma consulta, um conselho, uma oração ou um resto qualquer de sanidade para dizer ao inoportuno que pelo menos volte mais tarde é tão somente o desespero de se estar vivo; exposto ao dia que se foi, indisposto com o dia que não chega; sem nunca saber, de fato, a que veio esta forma humana de vida suspensa no mais escuro e inominável medo.



Márcio Ares. 2009.

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