quarta-feira, 28 de setembro de 2011

MARCADO

Eu fiz um canção de verdade
para que tocasse quando a gente se encontrasse
n’algum bar, no mar, na areia,
e ela comigo se casasse

para que entre nós dois, feito música alheia,
o acaso de amar
bem soubesse a que veio


Márcio Ares. 2011.

POESIA SEM SABER

A vida se amplia, os meios se renovam, a ciência diz outros caminhos e eu continuo quase um homem das cavernas.
Aprendi palavra, disso eu não dúvida, mas o argumento é nada, ou muito breve, quando ouso discutir modernidades. Atém-se a outras dores o meu escrito, homem sob efeito de algum menor futuro.
Tenho amigos, no entanto, que, assim sendo, afastam um pouco as sombras, dão-me algum remédio, aliviam meu desencanto.
Alguns tentaram me induzir ao orkut, msn, webpage, sites... e eu, já passado de hora, e a tanto custo, vi-me, quase de repente, talvez até num susto, um ser moderno, mesmo acreditando ser tanto esforço inútil.
Irremediável, acabei cedendo ao blog e ao facebook.
Renovam-se os caminhos do homem quando ser homem não tem sido pragmático; mal mal uma questão teórica, nos livros de Filosofia ou de História.
Talvez eu venha a ser um expert em megulhar nessa imensidão, postar vídeos, imagens, comentários, fotos... mas tenho, antes, que ensaiar um pouco pra não fazer muito feio: um bruto tem certas dificuldades em fazer uso desses novos meios, não sabe renovar os conhecimentos, mas fica aqui, anônimo, quase um náufrago à deriva, admirando e temendo as facilidades do mundo.
Fazer versos, eu sei. Arrisco sem maiores medos. A solidão desse ato é de grande e justificável ajuda. Depender de outros mecanismos que estão alheios em mim é que salva este velho homem que sou, este ser de um outro e velho mundo.
O tempo, disse-me, dia desses, uma velha amiga, "o tempo é um trem que leva a gente". Leva às descobertas do passado, leva ao sem jeito de agora, leva às loucuras do futuro.
O tempo, as pessoas e os inventos que estão aí, ou que já se foram, que estão chegando, que estão partindo... vão me deixando órfão de saber das coisas desse tempo, do avanço desse mundo.
Acho mesmo é que eu prefiro aquele tempo em que as pessoas eram pessoas, e eram felizes, lá no interior de Minas. Aquele tempo em que não havia as dores de estar com o outro e ser sozinho. O tempo de quando não havia o risco de ver pela tela o desassossego e a desalegria da vida.
Por sorte eu tenho amigos que acalmam esse meu desencontro com tanta novidade e vão me botando no eixo, mostrando que nem tudo é desespero e que a vida ainda tem jeito.
Aos poucos eu vou me adequando. Quem sabe, um dia, eu seja lido por esses mecanismos e possa, dessa nova caverna, dizer palavra a quem somente nesses meios se veja.



Márcio Ares. 2011.

ENGAIOLADO PELO ACASO

_Amor, o Tony Ramos morreu.
_Quê? O Tony Ramos? Nunca! Morreu nada!
_Morreu, amor, morreu, sim! Insistia a voz do outro lado da linha.
_Como morreu!!!! Eu o vi, hoje, no vídeo show. Tá esbanjando saúde e talento.
_Ah!!?? Vídeo Show??. Não, amor, eu to falando é do Adoniran Barbosa!
_Ah, esse sim!!! ...mas porque é que você ta me contando isso agora!?
_Ué, amor...ele era o seu preferido!!!
_...então você tá falando é do Caubi Peixoto, né não?
Já ficando desesperada, a voz da esposa parecia até esconder uma lágrima.
_Oh, amor... eu to falando é do seu passarinho. Ta aqui, na gaiola, mortinho da silva, tadinho!!!!
_Ah? O Roberto Carlos morreu?
Já quase chorando, num misto de tristeza e solidariedade, a mulher continua, tentando dar aquele apoio moral, típico das horas difíceis.
_Oh, amor, sinto muito!!!
De repente, desconfiada, ela diz.
_Ué, mas você não ta confundindo o nome do bichinho não? Era Roberto Carlos mesmo?
_Eu falei Roberto Carlos???
Silêncio.
_ É Wanderley Cardoso, mulher, é Wanderley Cardoso!
Intrigado, um amigo meu, que é dado a ser poeta, assistia a essa conversa. Seu chefe, que era o esposo a receber a fatídica notícia, preencheu, depois, as lacunas da conversa ao telefone. Contou que tinha, há alguns anos, um passarinho, o Wanderley Cardoso, agora morto. Não o cantor, o passarinho, é claro!
_Vê lá - disse-me esse meu amigo – se isso é nome que se dê a um passarinho, coitado!
Que era bacana, a homenagem, ele até entendia. Mas todo dono que se preze deveria chamar o seu amigo alado de nomes mais dignos a um bichinho dessa espécie. “Biquinho”, “zazinho”, ou “piu-piu”, pareciam nomes mais acertados. E, nisso, eu concordo com ele. . Até que “Peninha” não seria mal, mas pareceu-lhe um pouco demais chamá-los Noel Rosa, Cartola, Nelson Ned, Aracy de Almeida, Carmen Miranda, Wanderley Cardoso!!!!!
Também eu tenho em casa um passarinho. Ele canta e eu fico feliz. Pode cantar como os grandes e velhos artistas, mas, carinhosamente, eu o chamo de menino. E evito os riscos de me confundir. Será?



Márcio Ares. 2011.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011


Exílio



Toma todas as minhas canetas
e essa minha falta de jeito há de ficar sem lugar.
Mas leva também a areia, a tinta, a poeira, a canção.
Leva o resto de giz, o quadro de lousa, o graveto.
Leva o torrão, o lápis de cor, ou de cera.
Leva tudo o que se diz quando louco de paixão.
Leva minha garganta, a voz, o risco do batom.
Leva o mármore, a pedra, o formão.
Leva o sinal de fumaça, o palco, a palavra,
a mímica, o gesto da libra, o alto falante,
o sangue escrevendo urgência, pulsando inspiração.
Leva o micro, a tela, o plug, a janela.
E fica o verso um nada eterno,
um sujeito poeta
sem chão.

 Márcio Ares. 2011.

Pássaro mais bonito



Meu irmão, aqui sentado,
pertinho, feito alguém que, bem do meu lado,
olha com outros olhos a mesma estrada que eu vejo agora
pensa em Belém, Norte acima, Rio abaixo.

Essa lembrança me cansa, talvez mais que a mais ninguém.
Não sei como vem esse longe que lhe basta
e que seu amor alcança à visão de um negro pássaro..

Mas não é minha a saudade.
Não sei dessa estrada o que ele sabe.
Lá, eu não deixei nada, além das águas.
Lá, eu não amei ninguém.
Talvez um mercado, um par de asas,
um pássaro de querer bem. 
 
Márcio Ares. 2011.

Purgatório



 
Se você me olha com este seu olhar
e me diz tudo o que você quer
eu me calo feito o céu
e escrevo até enlouquecer

Amar é o demônio da fé.
Pecar é igual a crer.

Márcio Ares. 2011.
  

Pó diverso



Gosto de olhar para uma estrada, feito um espelho,
e saber que ela está de um outro lado,
a caminho de casa, a caminho do mar ou, quem sabe, a caminho do nada.
Gosto de escrever em vermelho, colorir no peito a viagem,
dobrar de dor os olhos do amor
no eito da estrada
que fica pra lá, pra cá,
o lugar nenhum da saudade.

 Márcio Ares. 2011.

O calor do poema



 Segundo consta, nenhum pingo de sol aquecia-lhe o quarto.
Ao que se sabe, o frio é que adentrava suas entranhas, tomava-lhe a força dos braços,
roubava-lhe a cor, a língua do gosto, a beleza das horas, o fôlego da graça.
No fundo, além das tardes, e talvez mais profundo,
ela, atriz de alma grande, como sempre ousara,
ensaiava o seu melhor e mais lindo espetáculo:
viver a vida  e seu fardo, enquanto, ao redor do mundo, queimava um pálido sol
que sempre, em todos os tempos, a todos faltara.
Àquela hora, o ato era uma só verdade.
A vida era uma gota de sol servida no banco da sala, platéia pequena,
dizendo a alegria da cena,
dizendo, à vida, coragem!!!

 Márcio Ares. 2011.

Menino antigo



Este olhar podia estar na Grécia
Esta cor seria de outra terra
e os meus olhos saberiam outros versos
árida poesia politeísta
agreste beleza de raros invernos.

Esta manhã podiam ser mil ilhas
sem barco nem esperas.

Este olhar podia ser menino
acreditado além da vista
quente, navegante, vivo
colorido de ficar eterno.

Márcio Ares. 2011.