sábado, 10 de dezembro de 2011

OFUSCADO

Em algum outro ponto de que não me recordo agora
deixei a história mais bonita.
Por mais que eu insista já não a encontro.
Falava, creio, de um amor muito antigo.
Eu era moço, andava sem nenhum desgosto,
e o amor ainda era possível.
O acidente que se deu em nossa estrada
deixou-me sem norte, perto de nunca mais,
uma placa torta à beira de um deserto
muito sol sozinho
demais.

Márcio Ares. 2011.

SER JOGADO

Alguém que me tire do sério, por acaso é visto
a romper as grades de tudo que não serve ao riso
e a sorrir comigo sem nenhum mistério?

Alguém que acorde comigo, qualquer dia,
depois de me amar sem dizer se volta,
mais parece covardia, ou o descaminho da sorte?

Alguém que exista, mais leve, o inexato rumo das horas,
terá algum Deus encoberto, na fé que me falta, agora,
ou terá entendido que amar é um risco vão que se atreve
a existir feito pra morte?


Márcio Ares. 2011

TODOS QUE EU PODIA SER

Muita coisa morreu depois de 64.
Morreram vontades, morreram as rádios, a arte de querer bem.
Morreram poetas, bravos moleques de madrugada, pensando além, sonhando pátria.
Morreram mães e bandeiras.
Irmãos e amigos e avós e amores morreram.

Muita voz morreu depois de 64.
Morreram palavras, poemas grandiosos, morreram canções.
Morreram os bêbados de liberdade e morreram honrosos de dizerem não aqueles que, cedo, souberam coragem.
Morreram, quem sabe, aqueles que amavam, já tão cansados de amor em vão.

Muita força morreu depois de 64.
Morreram abraços, gritos de paz, braços que se ergueram contra.
Morreram a ética e o sossego que, ainda cedo, morreu de fome, aos olhos da vergonha.
Morreram tipos dito esquisitos, morreram artistas, mulheres e homens.
Sujeitos suspeitos morreram tamanho o medo nos ignorantes.
Morreram bons e valentes, morreram gentes como nunca antes.

Muita vida morreu depois de 64.
Morreu a cor no lábio calado, morreram filhos de mães agoniadas, morreu o amor nos que podiam mais.
Morreu a grandeza continental, morreu a ordem de um país verdade cortado de azul e progresso incauto.
Morreram as horas do orgulho inato, morreu o futuro com aqueles atos, morreu a beleza
de um povo audaz.

Muitos eus morreram depois de 64.



Márcio Ares. 2011.

DESNECESSÁRIO

Não tem que estar perdido, fingir-se amante, dizer-se amigo.
Não tem que ser malandro, bolar desculpa, inventar motivos.
Não tem que ser distante, bruto, indiferente.
Não tem que ser hipócrita, nem triste.
Não tem que ser agora.
Não tem que ser pra sempre.

Basta dizer não amo, não gosto mais, não quero tanto
E já basta disso.


Márcio Ares. 2011.