quarta-feira, 12 de agosto de 2015

FOLGATOS


os gatos da minha vizinhança
têm feito mais amor que eu
e, por Deus, de modo mais ousado

escalam muros, paredes e telhados
sem nenhum vil pudor
engatinhados de amor no cio
e altas horas de miados febris
arranhando a madrugada

parecem até saber das minhas faltas
malditos felinos, horríveis gatos
tão plenos e desaforados

e do sono muito me tiram

e de inveja muito me matam

 

Márcio Ares. 2015

IMERSO


feito um rio escondido
sob a ponte
de uma terra pobre e distante
num país em que nunca se viveu
o meu coração se esconde
no sem nome escuro das sombras
desde que te perdeu

Márcio Ares. 2015

DESARTICULADOS


quando falei vai com Deus
você entendeu some
eu disse beijo na alma
você entendeu outro nome
bem diz o ditado quem fala
muito, dá bom dia a cavalo
pouco, não vaia Roma

Márcio Ares. 2015



TALVEZ RAZÃO


existir amor que me baste
até ser anjo de barro
e muita asa
mais que destinamente
resistir à tempestade
ao mal presságio
à orfandade inata
de toda gente

Márcio Ares. 2015

KAWÔ, MEU REI


é sem culpa que eu me descubro
uma criança que dança
no carnaval da Bahia

ela é filha de xangô

sou santo e sequer sabia
que sendo o que eu mais queria
eu danço porque, todo dia,
sou filho de Salvador

Márcio Ares. 2015

MULAMBO


Tenha o cuidado de enxergar as almas
e veja bem os trapos que me vestem.

Tira o corpo, essa minha máscara.
Verá que o resto todo sangra
mas é tudo o que me resta.

Não posso mais sorrir, portanto,
se a alma, o meu escudo de guerra,
anda tão a descoberto.

Márcio Ares. 2015