domingo, 17 de julho de 2011

Apucalipse


Enquanto fazemos Letras, o povo continua a ser maltratado, a cidade continua a pedir socorro, o país continua a requerer cuidados, o mundo continua a entortar direitos,  esquecer o respeito e a ignorar humanidades.
Enquanto fazemos Letras e aprendemos teorias, o jornal conta desgraças, o livro diz o que não basta, o poder inova seu modus operandis na hipocrisia legal e um bando continua reinando, rosnando, envergonhando a ética e a esperança de um pacífico povo, quase iletrado.
Enquanto fazemos Letras, redesenhando teorias e análises, mas não produzimos novas letras ou novas falas, o silêncio ajuda na luta social por interesses escusos em detrimento de quaisquer princípios morais. Guardamos o silêncio, alheios a tudo que nos devasta.
Enquanto fazemos Letras e calamos a nossa criatividade, essa grande e potencial vantagem, o silêncio de cada um de nós vai nos fazendo esquecer que sabemos o que está acontecendo enquanto não fazemos nada.
Enquanto fazemos – e é verdade que nós fazemos? - letras, vamos enevoando o sentido expresso pela escrita com a indisposição de assumirmos a responsabilidade por dizer todo o necessário, tornando bastarda a nossa própria possibilidade.
Enquanto fazemos esse curso, humanístico, de inicial maiúscula e crenças de bem formado, povoando de expectativas o nosso lugar, vamos reduzindo ao ininteligível o grandioso e esperado resultado, desaguando em preceitos que não se cumprem e autoridade sem valia ou muito pouco superior para dizer o mal que nos alarma.
Com todas as letras ainda somos nada.  Lemos o que está pronto e escrevemos mal. Interpretamos sob a luz de estudiosos o saber nem sempre necessário.
Com todas as letras somos coniventes com a ignorância que afronta a contemporaneidade.
E porque não sabemos dizer, escrever ou gritar o texto do saber necessário, enquanto passamos por essa aulas vamos nos esquecendo do uso prático da palavra, da eficiência dos levantes intelectuais e do acento organizado no caos da ordem estipulada.
Não é só da Letras, é verdade, o silêncio, bem como a responsabilidade.
Embora seja nosso o maior poder de escrever, de se fazer ouvir e denunciar, a conivência tem sido regra geral nos demais cursos da Universidade.
Até quando haveremos de estar cegos, surdos e calados?


Márcio Ares. 2005.

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