quarta-feira, 13 de julho de 2011

Um par de asas




Há dias, ela permanece ali, na aba da janela, num silêncio respeitoso.
Não estou certo de que ela se reconheça uma lepdóptera. Não posso afirmar que ela já saiba da transformação. Nesse tempo recém nascido de um mundo para pouca existência, ela permanece pousada, quieta, talvez indiferente. Faltam-lhe, quem sabe, a coragem para o entendimento ou a compreensão das novas possibilidades.  A fé não interrompe o temor do mundo ainda por se libertar.
Se, de repente, em lugar de pés me ocorressem asas, e ao invés de vagarezas me fosse dado o céu, também eu me entregasse ao sem fim letárgico para a aprendizagem da vida. Saber sobre si mesmo é uma descoberta contínua, um exercício inquieto de experiências que se mesclam de alegria e medo. Muito mais que de grandes certezas, viver é feito de pequenos pedaços.
Eu já adivinhava sua existência desde que ali chegara, ainda larva, com a paciência dos predestinados. Senti-me honrado em ceder minha casa para outras moradas. Fui feliz no encontro com aquela promessa de vida. Fiquei quase anjo anunciando a graça.
 Depois, ao sopro dos ventos ao fim da tarde, o vai-e-vém do casulo cumpria com a gestação de futuras asas, desenhando seus matizes pelo ninho ensimesmado. Aproximava-se o tempo majestoso de cor e liberdade, a hora para o mundo.
Eis que a pequena criatura não entendeu o milagre. Há dias, ela permanece ali, na aba da janela, num silêncio respeitoso. Não há motivo que lhe conquiste a crença de poder voar. Existir assim, tão sem pressa, parece amor que não se acaba. E vai ficando aqui, enfeitando meu lugar. Um naco de primavera alheio de seus iguais, esquecido de outros ares, lembrando o meu olhar de amor no momento de sua chegada. Tão curta a vida e ela não quer céu nem sol. Não quer outro lugar.
Acho que essa borboleta enamorou-se de mim.


Márcio Ares. 2008.


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