Sou do cerrado, entende? Meio deserto igual, eu
sei, mas diferente.
É desse outro inferno que se vem de dentro essa
gente bicho quase inventada.
É desse causo de onça vigiando bezerro adulto, cria de gado miúdo,
cachorro quase homem, homem quase xucro, quase.
É dessa cria perdida de olhar capoeira na seca, de
chorar de olho seco de tanto ser calado, de assoprar palavra torta
pra o amor de outro jeito, de saber onde dói o calo e o pé descalço
que se espalha feito o mato.
É desse tanto ser ligeiro na esperteza da larga,
meloso, braquiara, capim navalha, araticum formigando o cerrado,
colchete de arame entortado, sopro de poeira vermelha, o diabo na
encruzilhada.
É dessa incapacidade de alguma clareza pra solidão cósmica do
esforço contra a vastidão de nunca se entender, ou demais saber o
que vem quieto e fervente.
Mode quê a vida joga o sujeito nos buracos, ele é mais tatu caçado
pra cachaça na mesa de truco de madrugada, é rede no corguim das
águas, garrucha com bala de estanho, força da mão que benze, que
mata, o que nem sequer se pensa, pobreza sem perceber, o tamanho da
falta.
A parede rebocada de vermelho, o chão batido da sala, o quadro
enfeitando a parede, o marimbondo na cumeeira da casa. Tudo é o
cerrado. A mãe querente de melhor mundo ou destino para o
menino-anjo-bicho que pariu, em desagravo de sorte, pra mais longe da
angústia do que pode ou não pode, feito Deus pela metade, deserto,
querer sem lugar, o inferno que vem, tudo que não chega.
Você, que é lá de longe, fale da caatinga, do que não sei coisa
nenhuma que baste.
Sou e sempre fui menino do mato, vigiando estrada,
inquieto no trilho do meu tamanho minimamente crescido. Nenhuma
condução chegante pra um jeito mesmo pouco de partir. Pau seco
plantado. Sou o silêncio torto que olha o que vê e fala calado.
Semente de muito menor futuro que sabe e não sabe.
Márcio Ares. 2016.
Esta é uma quase resposta ao texto demais de bonito da Bianca Mendes, Melaço de Sangue. Ela, que é lá da Bahia vivendo no arquipélago dos Açores. Márcio Ares.
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