domingo, 1 de maio de 2011

Maternidade



África negra, minha negra metade
essa cor misturada em meus quartos
essa face crestada de Deus

Parto meu de sangue mesclado
branco e negro no encalço de casa
porto sem fronteira, mares que nem sei
terra que me assalta o sonho da espécie, de algum dia, algum lugar

África negra, minha negra metade
minha hora antiga existe em teu regaço
grandes tetas negras, saudade da minha alma
falta e fome que me alargam
e como
como teus peitos de selva
como com as mãos a raiz da terra
com talheres de ouro o melhor passado
como teus rins, a língua, placenta
como quem come um clamor nos lábios
como quem sabe, quem vinga, quem mata

Ah, metade mais minha, minha negra África
vou botar-te nas costas, caleidoscópio de Atlas
e cantar e dançar e rezar aos céus.
Depois dos céus e do ponto, é inútil, eu sei,
o meu grito de guerra, essa espada sem corte,
mas dou-te meu verso policromado de estrofes
o meu melhor cavalo, o mais veloz corcel
para o teu sonho que tarda e que eu tenho pressa
para a África em mim, o sonho, meu sangue, meus ombros
linhagem que eu como com gosto de fé

Sou teu filho, bem o sabes, oh grande mãe negra
exilado Atlântico, órfão de te  ver
órfão da ginga que eu não tenho, savana de dengos, planície, terreiros
cheio de dor, ave negra tamanha
a querer um grão, a costela, o barro
a mão negra de Deus para o que não sou
senão essa mistura, esse tanto ardente, engenho, desejo
querendo teu ventre, eu de novo rebento, inocente de amor

África negra, minha negra metade
muitas moradas em ti hei de ter
sou parte da ilha, essa infância mais velha, família que eu sei
na história do santo, lamento distante, um navio negreiro

Deixa eu voltar ao teu ventre antigo
Aceita teu filho oh minha amada negra


Brasil.  2006.


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