sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Irrespirável





Às tantas horas da vida entrego o meu desencanto.
Não pode haver poesia em se fazer quarenta anos.
Onde a vida, que ainda outro dia, era mais que futuro?
Onde a palavra ainda virgem porque a mão insegura no oficio da escrita?
Onde o sorriso ainda bonito e a fé tão pura iluminando o sem fim do caminho?
Onde a beleza dos olhos para cada criatura, um momento qualquer, aquela coisa da mínima alegria?
Onde o metafórico leão a ser combatido com a força do sonho, na insuspeitada graça do desafio?
Onde o colo da mãe, o abraço, a benção do pai, o respeito daquilo a que se chamava família?
Onde a confiança nos iguais, o amor feito eterno carinho, o filho de Deus na simplicidade dos Natais?
Onde o coração arfando sem saber, o frio na barriga à espera do improvável primeiro beijo?
Onde a certeza do amor irrestrito, inquestionável, simples, com jeito de flor e asas coloridas?
Onde o longe da impensável morte, das improváveis rugas, dos semblantes tristes?
Onde o engano da felicidade possível?

Às tantas horas da vida entrego o meu desencanto.
Não pode haver poesia em se fazer quarenta anos.
O menino que eu fui ainda chora comigo, brinca feliz, tem medo do escuro.
O jovem que eu fui ainda quer ser bonito, quer mudar o mundo, curtir a turma, fazer nenhum compromisso, ter alguns apelidos.
O moço que eu fui ainda ergue o diploma com orgulho, acha um barato música e poesia, tem norte e tem pulso e quer acreditar na vida.

A essas horas entrego minha pena, meu dó, o meu mais esquisito.
Contrario o tempo, eu sei, que nunca esteve de mal comigo.
Acontece, agora, é que ele me dobra, amarrotando o meu querer indizível, dizendo que é hora disso ou daquilo.

Quero ainda perguntar, mais que ter respostas.
Quero o outro planeta por habitar, mais que esse lugar de minhas longas horas.
Quero algum largo horizonte, outras águas para o horror desse instante.
Quero o fundo mais fundo do mar, mais que um passeio pela costa, mais que o ar desses quarenta anos.

Márcio Ares. 2011.

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