quinta-feira, 6 de outubro de 2011

AUTOCRÍTICA

Se depois de anos sem rumo, troco o assunto e o caminho
- e isso não conta pra se fazer um poema -
Sou eu um engano?
Meu verso é vazio?


Márcio Ares. 2011.

O QUE SOU

Não sei a dor do que eu quis
seria desamor dizê-lo arco-íris
que não coloriu



Márcio Ares. 2011.

A LIBIDO COM FOME

Entre o teu cabelo e as tuas mãos
o meu chão de estrelas
rasgou teu mar, bebeu teus rios
secou teus copos, matou a sede
ficou solidão
céu vazio



Márcio Ares. 2011.

DESEJO CABOCLO

_Pra se ter um pouco de alegria,
tu bem sabe que a gente podia
fazer as natureza!

_Ta dizendo se nóis pode arrumar outro?
Ainda que nóis tenha uns tantos e eu tivesse mais uns dois,
vão viver aqui, plantado no meio do nada, comendo o quê?
Parindo mais outros, depois?



Márcio Ares. 2011.

BILHETE

O trem da coragem passa por aqui.
Pede passagem e acelera porque sabe ser outra a estação que me espera.
A bagagem do medo ficou valise de mão, para o devido controle.
Temer é uma estação deixada longe, muito longe, da razão.
De vez em quando me acena, me acolhe rápido, feito um trem,
confere o visto que o destino exige
vê que sou feliz, como nunca não,
e então se despede
assim, à toa.



Márcio Ares. 2011.

CARRUAGEM DAS HORAS

Sei lá, se de preguiça ou cansaço,
as muitas horas para tudo deixam mudo o mundo em que eu me acho

Tem hora pra dizer o poema, hora de arrumar as malas, rezar a novena,
hora da viagem, de ganhar, de perder e partir
hora de doer a dor,
hora pra o analista, pra o dentista, pra o balé,
hora de ir e ir e ir e ir e ir
e tem hora pra depois

Terá hora a vida serena, o silêncio que fala,
hora de se entender, de não sofrer e morrer de amor?

Tem hora que não tem, hora do vazio, hora de ninguém,
hora que se quer, hora que se basta, hora de se ver.
Tem hora que é do homem, hora que é da vida, hora de querer,
hora do Eclesiastes, do verso que arde, hora do além,
hora que se cala, hora que se vive, hora que se mata,
hora de ser e não ser.



Márcio Ares. 2011.

RÁPIDA VISITA

Depois que você partiu, fiquei sem onde.
Não sei mais quando passa dezembro ou abril.
Não sei mais quando posso chorar sem mentir.

Hei de voltar a sorrir, quando acabar a dor,
essa hóspede do tempo em que fui feliz.



Márcio Ares. 2011.

DE PASSAGEM, DE PARTIDA

Aquele resto de I love escrito, na poeira do vidro, à beira da estrada,
não parece o demônio sorrindo as coisas que não podem ser?:
Quando o caminho me escurece a vista, fico entardecido.
Qualquer coisa antiga aponta o rumo da vida, a falta,
o amor escrito, a antiga estrada,
o céu por acontecer.



Márcio Ares. 2011.

DESDE QUANDO

a África se confunde com o meu chão
marrom multicor negra gente
o que é que eu sei dessas horas
senão beleza ritmo alegria?

o entendimento merece essa inteira lucidez

é de ser tão assim que eu desconheço
outro motivo para se viver



Márcio Ares. 2011.

DECLARADO O AMOR

O quanto ainda amo só posso dizê-lo a você.
Vivi em tantos lugares que demorei a viver comigo.
E não estou certo de que isso tenha sido mais seguro; com certeza, mais tranqüilo.
Como algo que se desfaz entre o que penso e o que eu escrevo,
acordo para sempre essa falta de sono.
Agora eu sei e posso dizer.

O que não se perde está na lucidez.
A sanidade que me resta vem quando todos se calam
para que no silêncio o amor se instale
e tarde o tempo
e possa acontecer.


Márcio Ares. 2011.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

CONFUSO

Eu desconfio que sim, eu quase penso que vou
Eu quase chego, sem fim, a esse tempo de dor

Eu sei que nada é mais nada, se eu não entendo esse amor
Eu choro de madrugada o tempo que não restou
Eu fico sonho largado porque você não ficou

Se você volta eu me planto, enquanto tenho raiz
O seu encanto é meu canto, confesso,
o verso que eu nunca quis.

Eu fico às margens da estrada, meus pontos incardeais,
eu erro o norte marcado, o sul me confunde mais

Eu sei que estrelas são marcas que eu não consigo entender.
Eu ando meio sem placas, caminho sem nem saber,
em qual das encruzilhadas eu me perdi de você.


Márcio Ares, 2011.

SEM LUGAR

Existir, esse frio na espinha,
punhal de urgente poesia
agonia, alegria, sangria
esse guia em dasaviso
útero vazio, destino



Márcio Ares. 2011.

LAVADO DE AMOR

Parece que foi outro dia que eu a conheci água pra o meu deserto.
A falta desse rio singrava minha dor.
Qualquer porto era meu coração vazio.
De pedra, largado, o meu amor ficou no que foi caminho.
E você para sempre lembrada, muito além do rio.



Márcio Ares. 2011.

SEM VOLTA

No meio do caminho ficou a vontade.
- longe do inicio que me apaixonara, longe do fim que eu não sei mais -
No meio desse querer ficaram duas metades.
Livre, quem já não pode sê-lo.
Cativo, quem se fizera amado.




Márcio Ares. 2011.

POÉTICO

A poesia que se registra
é o olhar do amor que passa
e fica infinito



Márcio Ares. 2011.

INEXPLICADO

Marte sou eu, seco desse jeito,
cicatriz e muito gelo,
ébrio de má sorte, vida sem certeza,
longa viagem,
antigo estrangeiro.




Márcio Ares. 2011.

NÃO MAIS

Esta noite os meus pés têm coragem.
Estou, como nunca, em minha casa.
Ou será minha morada coisa tão antiga que eu só possa dizê-lo da casa de meu pai?
Este lugar que ora me abriga foi por tempo demais o meu disfarce
- paredes feito o cais, que nunca me anunciaram o mar,
terra indescoberta, chão alheio de meu passo –

Ficaram represadas, ao longo do caminho, minhas muitas águas,
comportas que agora se libertam, sem pressa nem mágoa,
mas que não sabem o medo
porque o medo não pode mais.



Márcio Ares. 2011.

DIVINO E ÁRIDO

Num olhar de ilha, quebrado de azul,
feito um homem livre reinvento o céu.
Longe, branco, um barco de pesca
avança preguiçoso, quase quieto.
E meu olhar se perde no azul de todo lado.
Esse vento fresco me acaricia de perto, alcança meu cabelo, meu peito aberto.
E vai ficando terra minha alma grega.
E vai ficando certo o meu lugar na terra.



Márcio Ares. 2011.

DE TEMPO EM TEMPO

Estou na indecisão de tudo, na esquina de todo entendimento.
Feito uma novela antiga, não me decido nunca.
Desacertadamente, mesclam-se as melhores imagens aos piores momentos.
O bem inalcançável salta de dentro da memória, quase ao alcance da minha razão
que de dentro de outros olhos agora é presente
do olhar que a si mesmo olha, sempre e quando e sempre me invento
de indecisão.


Márcio Ares. 2011.