As árvores lá de casa eram
de muitos tipos e lugares.
O meu lugar era só um
lugarzinho de muita árvore e pouca palavra.
As sementes e galhos,
vindos de longe e mais longe, ali sentaram praça. Davam-nos sombra contra a
violência do sol. Davam-nos colo para os fins de tarde. Serviam de galhada para
o amor de passarinhos. Davam asas para as nossas meninices. Eram a memória do melhor da vida que nos
restasse. Serviam de lugar sagrado.
Eram autônomas. Árvores e
coqueiros dali se enamoravam de curiosas espécies lá chegadas. A terra era bom
abrigo, como dizia meu pai. E nossa alegria de menino se engrandecia com as
possibilidades.
Tudo era demais real.
Poesia só veio depois.
Eu não sabia a palavra
tédio, do mesmo modo que eu não sabia que escrever pudesse tornar alguém
formidável. Não punha ainda reparo de que o outono era menos natureza e mais
coisa da alma. Adivinhava, isto sim, ou pressentia, que o tempo depois do tempo
é o avesso dos manuais. E que a fantasia é que é de verdade.
Eu só conhecia a escrita
das imagens desenhadas na parede da sala, sobre o adobe rebocado de terra de
cupim e esterco de gado.
Naquele tempo, viver para
ser feliz era um sonho viável. Muro nenhum nós tínhamos. Nenhuma cerca nos
separava. De cima das árvores descrevíamos, numa mesma língua, aquele
território. Era nosso o céu de estrelas e o mundo todo sem grades nem
sangrentas batalhas.
Nossa mãe não colheria as
flores do terreiro para um almoço apressado, nem se recebesse alguma importante
visita, senão a do santo padre. As flores duravam lá fora. Era dentro de nós
que a primavera reinava.
Pintávamos de cor da terra
a nossa casa. Eram as cores dali. E tudo exigia a vigília constante dos olhos,
o costume dos cuidados, o colorido dos detalhes. Não teríamos de ressuscitar as
cores do lugar que não matássemos.
Nossos banhos eram no rio
de todos os dias de muita vontade. Eram rios sem esgoto ou água encanada. O
tempo e as águas eram um brinquedo diverso demais. O sossego sofria de
alegrias. Amigos se preocupavam, por iniciativa e amor inabalável, aos homens,
às plantas e aos bichos.
Nenhum carnaval nos
encantava. Na força bruta da lida, e na certeza da vida por continuar, seria
difícil aceitar as máscaras. Forró, depois do leilão na igrejinha, aos
domingos, era tudo o que nós dançávamos.
Ecos, cheiros e cores
visitavam nosso mundo significado, segredando o que nos era familiar. Os zumbidos que nos acordavam vinham de
cantos, silvos, pios, berros, relinchos, cacarejos e latidos. Tudo muito livre
das superinvenções humanas. Os pássaros deixavam em nós um gosto por voar. Deslizavam no ar figuras aeroplanas poéticas e originais. Tudo era lírico,
ávido de um bom céu e imaginação sem igual.
Entre intensos e suaves,
íamos ficando pura ternura e sentimento.
Iluminados, no interior, éramos a alma de uma futura arte, a imagem de
um singular retrato.
Mas o que o tempo nos
leva, de algum modo o futuro nos traz.
Voltei, muitas vezes, como
outros voltaram, a minha terra.
Descobri árvores destruídas e coqueiros arrancados. O canavial fez-se velho e amiudado. O mato e as flores eram só galhos cortados. O horizonte azul infinito ficou noite longa e sem vida. Construíram no lugar um grande nada, cheio de melancolia, na razão da modernidade.
Descobri árvores destruídas e coqueiros arrancados. O canavial fez-se velho e amiudado. O mato e as flores eram só galhos cortados. O horizonte azul infinito ficou noite longa e sem vida. Construíram no lugar um grande nada, cheio de melancolia, na razão da modernidade.
Doeram em minha memória as
raízes que em mim existiram até muito tarde.
Fiquei galho partido, raiz
sem chão, tronco sem folhagem.
Tive pena do que se tornou
apenas frágil arquivo em nós, o exílio da solidão, a névoa do tempo passado.
Márcio Ares. 2015.
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